As críticas sobre as notas das redações do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) não partem apenas de docentes e vestibulandos. O JC entrevistou dois professores que participaram da correção dos testes aplicados pelo Centro de Seleção e de Promoção de Eventos (Cespe), da Universidade de Brasília (UnB). Ambos questionaram o pouco tempo para desempenhar a tarefa, a pressão para que a correção fosse feita rapidamente e, o mais grave, a qualidade do trabalho realizado. Em todo o Brasil, foram 3.600 corretores contratados pelo Cespe para analisar cerca de 2,5 milhões de redações. Os entrevistados preferiam não se identificar. Alegaram que se comprometeram com o Cespe em manter sigilo sobre a tarefa que assumiram. Mas toparam contar como aconteceu o processo. Um deles, inclusive, foi quem procurou o JC depois de ler uma matéria publicada no início de março sobre os atropelos do Enem. Os dois tem nível superior com pós-graduação.
Questionados se houve qualidade na correção, dizem que não. “Recebíamos e-mails que nos coagiam o tempo todo a cumprir os prazos. Isso deixou transparecer que os organizadores não dominavam o processo. Perdi meu descanso de quase 20 dias para ganhar uma quantia irrisória diante da importância e da seriedade com que encaro meu trabalho”, destaca um dos professores que, apesar das crítica, disse que o Enem tem ótimos critérios de correção e que o processo digital foi objetivo e eficiente.
O colega concorda em parte. “Acho que houve qualidade daqueles que corrigiram em média 100 a 800 redações. Mas teve quem passou disso. É humano, ética e cognitivamente impossível avaliar textos, julgar as ideias e observar aspectos gramaticais em tão pouco tempo. Fico imaginando como foi possível para muitos professores de todo o Brasil corrigir mais de 1.500 redações em 15 dias, lembrando que demos pausas no Natal e no Revéillon”, observa.
Segundo um deles, o tema da redação (ética) também trouxe problemas. “Os professores e organizadores misturavam conceitos, anulavam redações arbitrariamente, questionavam se deveriam aceitar a discussão sobre todos os valores morais ou somente a ética, não sabiam direito delinear esses limites, o que considerei patético”, comenta.
“Qualquer pessoa, mesmo sem ser profissional na área da linguagem, percebe a falta de qualidade e honestidade no tocante a essas correções. Os alunos foram mal avaliados. Uns reprovados e outros aprovados sem mérito algum. É antiético e desumano pensar que alunos passam longo tempo de preparação para esses exames na perspectiva de ingressarem em universidades e encontram alguns professores irresponsáveis no caminho”, diz o outro.
CONTROLE - Segundo o Cespe, a seleção dos profissionais que participaram da correção das redações do Enem foi feita, principalmente, a partir do banco de professores cadastrados no centro e que já participam de correções de provas da instituição e do banco do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep). Em média, cada corretor ganhou entre R$ 2 mil e R$ 3 mil, proporcional ao trabalho realizado, durante 30 dias (os professores entrevistados disseram que não, que cada texto corrigido valia R$ 1).
Ainda conforme o Cespe, todos os docentes receberam treinamento sobre o padrão de correção das redações. O processo foi acompanhado em tempo real pela equipe do centro. Quando se detectava um desvio do padrão, o corretor era contatado pelo supervisor, que verificava o que estava havendo. A entidade informou também que o trabalho dos 3.600 corretores foi analisado diariamente segundo vários critérios e que, na avaliação da coordenação, a correção ocorreu com alto grau de qualidade. (M.A.)
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